Este blog é uma espécie de "diário de bordo", uma forma de registrar e compartilhar um pouco do trabalho que venho desenvolvendo na busca da minha palhaça.


Espero que os leitores curtam cada depoimento, pois é sempre um relato sincero do que acontece, do que penso e sinto durante todo esse processo de "encontro comigo mesma"!!!

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Revoluções por minuto

Neste final de semana (21 e 22 de abril) apresentei o AMOSTRA GRÁTIS em Caxias do Sul.
Na verdade foi uma reestreia do material na sua totalidade.
Só para recapitular: em 2010 nasce o trabalho com quase 50 minutos de material (as vezes bem caótico), em 2011 configuro 15 minutos de cena para participar em festivais e outros eventos e agora em 2012 começo a retomar a estrutura maior.
Retomei o roteiro, revi os vídeos, reorganizei a dramaturgia, tentei eliminar todo o excesso, ou aquilo que não permitia a fluência dos acontecimentos. Muita coisa reorganizei a partir da cena de 15 minutos que me permitiu reolhar o material. Criei novas cenas. Entretanto, todavia e contudo restaram somente 35 minutos!!!!
E agora José?
As apresentações estavam marcadas, eu passei e repassei o material e o tempo me sufocava.
No dia da estreia ensaiei 4 vezes...tic-tac...nada se alterava. Fechei os olhos e me atirei no abismo - queda livre total em direção ao chão!
Era o que eu tinha e fui para a cena.

Primeira revolução: TEMPO. Eu de fato tenho material para mais de 35 minutos, o que precisa é ser explorado nas suas nuances e possibilidades. O material precisa do jogo.

Segunda revolução: O DETALHE. Não basta ter uma estrutura de acontecimentos e estabelecer o jogo é preciso investir em alguns detalhes - uma coçada de perna, um olhar, o tempo de parar - o mundo pode caber num detalhe e isso pode fazer a diferença para o interprete, o público e a configuração da cena.
A primeira apresentação foi bem, consegui superar o tempo previsto, joguei, atingi estados de energia bem fortes, vi que é possível.

Terceira revolução: CONFIGURAÇÃO DO ROTEIRO. A dramaturgia agora parece redonda, fluente, com sentido. Cada ação é desencadeada por algo e possibilita o desenrolar de outras ações. Foi possível reconhecer a curva dramática - que não há! por enquanto o espetáculo é um crescente de explosões. Enfim é o caminho para se retomar o detalhe.

Mas talvez a grande construção (para mim) é reconhecer que a cena curta e o espetáculo longo são coisas totalmente diferentes apesar da sua gênese e similaridade. Um contêm o outro ou está contido nele.
Enquanto o trabalho mais curto tende a ser mais intenso, detalhado e limpo, o mais longo corre mais risco de ficar "sujo" e com excessos. Entretanto o mais longo possibilita uma interação maior com a plateia. Eles são diferentes na energia que eu sinto em cena e nas sensações que provocam na plateia. O primeiro mais delicado, sutil e denso o segundo mais escatológico e histérico.
Entender isso foi fundamental para eu aceitar esse novo estado de construção, porque estou completamente amarrada aos sentimentos e imagens da cena curta. E o novo trabalho só pode ser acolhido quando permiti me reinventar!
Beijos


segunda-feira, 2 de abril de 2012

Matutando



A experiência em Manaus me fez ficar pensando em muitas coisas;
1. Minha função de palhaça;
2. Como se percebe o papel social do palhaço;
3. O que o meu trabalho propõe.

Não sei muito bem como tentar escrever, mas vou articulando algumas ideias!
Minha função como palhaça é (eu acho)abrir espaços de trasmutação, de transformação de estados a partir do encontro. Possibilitar o sentir, o criticar, o emocionar, mas principalmente o envolver-se com as situações propostas pelo palhaço.
Ainda percebo que muitas vezes o papel do palhaço é reduzido a recreação, a festa, ao momento divertido. E cabe a nós transformar essa visão. Essa pulga ficou na minha orelha, porque sempre nos festivais sou a última a me apresentar e geralmente é com a justificativa de "deixar o público para cima"! Se por um lado acho ótimo ser a figura que modifica os ânimos, que traz a alegria, por outro lado não quero que se reduza somente a isso. Quero ir além do riso fácil, ou melhor, quero o riso pleno, carregado de todos os sentimentos possíveis, até mesmo daquelas sensações que não estão diretamente ligadas a alegria. Não ao riso frugal que cai no esquecimento. Quero o riso quente, que fica na lembrança!
O que meu trabalho propõe? Busco ir além do riso fácil (que gags simples podem produzir) quero tocar o espectador, quero que ele se identifique, que ele se emocione, que tenha um momento de suspensão...em que eu possa ouvir os suspiros da platéia. Se eu alcanço isso?
Talvez, acho que as vezes sim, mas nem sempre - é minha eterna busca.
Que elementos me ajudam a estruturar isso?
Acredito que seja um conjunto:
1. dramaturgia;
2. gags simples inseridas num contexto e não simplesmente usadas sem justificativa  - aqui cabe uma reflexão maior sobre as gags e vou arriscar um esboço de pensamento - é preciso poder pensar mais sobre o significado de pequenas ações que provocam o riso e que, por vezes, são simples ou até mesmo apelativas (tirar uma garrafa da calcinha, chutar a cabeça do boneco morto, dançar com a cabeça do boneco no meio das pernas - ações do meu espetáculo), mas que num contexto específico ultrapassam a própria ação, pois contribuem para dar significado ao acontecimento e até mesmo para definir os contornos da lógica de pensamento e ação do palhaço;
3. o estado de jogo, a plenitude, o envolvimento total na cena e em tudo o que ela provoca. Estar aberto para transformar e ao mesmo tempo manter a essência;
4. o encontro- o que torna mágico o encontro? Aí entra algo que ainda não consigo explicar, porque por vezes não "dá a liga"... É o conjunto que falhou (dramaturgia, gags, estado de jogo), é o palhaço que não está presente?

Aqui vou me permitir outro esboço de pensamento!
Durante os debates em Manaus um dos jurados me disse que "me conhecendo pessoalmente se vê muito da minha palhaça", outra jurada disse, que "é isso mesmo,  não se trata de um personagem, é uma entidade!".
Bom, uma família de pulgas volta a povoar minha orelha.
Eu compreendo e aceito que a Dona Generosa (minha palhaça), sou eu, em estados completamente dilatados, que vão além do meu cotidiano, mas que são construídos a partir dele, da quebra e da revelação de máscaras - e por isso muitos aspectos da minha palhaça também são visíveis nas minhas ações cotidianas.
Daí volta a pergunta de algumas postagens atrás - qual o limite entre o eu e a palhaça?
E volta uma busca por resposta (que está num auto-comentário) - talvez não se deva pensar no limite entre um e outro, nas fronteiras, mas nos estados de cada um.
Bom, agora o pensamento se esvai...ainda não posso escrever sobre as diferenças entre esses estados, mas lendo "Para um teatro pobre", do tio Grotowski, encontro uma luz um caminho para orientar futuros pensamentos - ele fala sobre a entrega, o ator doar-se, colocar-se por inteiro diante do outro e permitir esse espaço de encontro, em que o outro (o público) através dessa doação do ator consegue também se ver.
Acho que a chave está na capacidade de entrega que o jogo do palhaço exige...
Espero estar no caminho...
Preciso ler mais, pensar mais para articular melhor essas ideias!
 São apenas registros do meu pensar e sentir em relação aos estados e situações que minha palhaça me coloca, ou que eu me coloco!!!!!!